Bairros que respiram: como algumas comunidades conseguem viver sem poluição

O bairro de Bahnstadt é uma comunidade que decidiu cortar sua dependência de petróleo e eletricidade suja, demonstrando que um bairro pode funcionar quase sem poluição.

Não com palavras, mas com ações: edifícios que não precisam de aquecimento, transporte limpo, painéis solares nos telhados.
Lá, viver diferente não é um luxo, é um costume compartilhado.

Do coração da Alemanha ao Centro-Oeste americano

Por: Gabriel E Levy B.

Bahnstadt é um distrito moderno construído na cidade de Heidelberg, sudoeste da Alemanha, às margens do Rio Neckar e perto da Floresta Negra.
Heidelberg é conhecida por sua universidade, a mais antiga do país, e por ser um centro histórico e cultural.
Mas, nos últimos anos, também se tornou uma referência internacional em sustentabilidade urbana. Bahnstadt foi construída em um terreno ferroviário abandonado e projetada do zero com um objetivo claro: minimizar sua pegada ambiental.
Em 2024, este distrito abrigava cerca de 6.500 pessoas. Todos os seus edifícios foram construídos de acordo com o padrão Passivhaus, um sistema de eficiência energética que permite uma economia de até 80% no aquecimento.
A diferença é impressionante: enquanto a média de emissões de CO₂ por habitante na cidade gira em torno de 2 toneladas por ano, em Bahnstadt o número é de apenas 0,13.
Segundo dados citados no relatório publicado pela revista TIME em abril de 2024, essa redução foi alcançada sem sacrificar a qualidade de vida, graças a um planejamento urbano integrado, eficiente e focado no pedestre.
Enquanto isso, em Ann Arbor, uma cidade de médio porte no estado de Michigan, Estados Unidos, o bairro de Bryant estava começando sua própria revolução silenciosa.
Muitas de suas casas, construídas há décadas, não tinham isolamento térmico e consumiam energia em excesso.
Algumas famílias tiveram que gastar até um terço de sua renda apenas para manter o aquecimento ligado no inverno.
A partir de 2021, com apoio de organizações comunitárias e recursos públicos, iniciou-se um profundo processo de transformação: melhorias estruturais, painéis solares e bombas geotérmicas. Em menos de três anos, mais de 90% das famílias conseguiram reduzir drasticamente suas contas de energia.
Ambas as experiências, uma na Europa, outra na América do Norte, mostram que é possível descarbonizar a vida urbana no nível mais íntimo: o bairro.
Mudança do pequeno: o poder do bairro
Bahnstadt foi projetada como um ecossistema urbano.
Não são apenas as casas que são eficientes, mas todo o bairro é.
As varandas têm plantas que reduzem o calor no verão, os telhados captam energia solar e as ruas convidam você a caminhar ou andar de bicicleta.
Tudo foi projetado para que se locomover sem carro, consumindo menos energia e produzindo menos lixo, não seja um fardo, mas uma escolha fácil.
Petra Berschin é direta: “Aqui, a vida sustentável não é uma moda passageira; é simplesmente o que fazemos.”
Em Bryant, o caminho foi mais árduo. A maioria dos moradores não tinha acesso à internet e informações técnicas sobre eficiência energética não estavam amplamente disponíveis.
Derrick Miller, diretor da Community Action Network, liderou uma abordagem de porta em porta. Eles ouviram cada família, explicaram como as novas tecnologias funcionavam e apoiaram o processo.
A família Mewton foi uma das primeiras a aderir: com as reformas, eles reduziram sua conta de energia a quase zero e se tornaram um modelo para seus vizinhos.
Rafael Robles, planejador urbano de Chicago, resume claramente: «Os bairros são a escala ideal para a mudança. Porque é onde a conexão com os vizinhos permite que as soluções se multipliquem.»
Essa visão coincide com a do sociólogo Bruno Latour, que em sua obra Where to Land (2017), argumenta que as mudanças climáticas não se resolvem a partir de uma abstração global, mas sim de territórios concretos onde as pessoas redefinem seu modo de vida. O bairro, como microcosmo, torna-se o primeiro estágio dessa mudança.
Cidades que dão o exemplo
Bahnstadt e Bryant não são experimentos isolados. Elas fazem parte de um movimento global de cidades que buscam alcançar a neutralidade de carbono nas próximas décadas.
Em 2014, foi fundada a Carbon Neutral Cities Alliance (CNCA), uma rede de cidades que se comprometeram a reduzir suas emissões em pelo menos 80% até 2050.
Até o final de 2024, 22 cidades em diferentes continentes já participavam dessa iniciativa.
Uma das ideias que mais influenciou esses desenvolvimentos é a do urbanista colombiano-francês Carlos Moreno, criador do conceito de “cidade de 15 minutos”.
De acordo com a proposta, todos os moradores devem poder acessar seu local de trabalho, escola, supermercado e centro de saúde em 15 minutos de caminhada ou de bicicleta.
Este modelo foi implementado em projetos urbanos como Nordhavn, em Copenhague, e em diversas áreas de Bogotá, promovendo bairros mais compactos.

, conectado e sustentável.
Na cidade dinamarquesa de Sønderborg, o compromisso com a sustentabilidade tomou a forma de política pública. O programa Projeto Zero foi lançado em 2007, com o objetivo de reduzir as emissões de carbono a zero até 2029.
Até 2023, eles já haviam alcançado uma redução de 66%, graças às redes de aquecimento urbano, biogás, energia eólica e iniciativas comunitárias.
Como explica o economista Nicholas Stern, autor do influente Stern Review on the Economics of Climate Change (2006), “Investir na descarbonização urbana não é apenas uma necessidade ecológica, mas uma oportunidade económica e social”.
Nem tudo é tão fácil quanto parece
Apesar do progresso, esses modelos enfrentam desafios.
Em Bahnstadt, muitas vozes apontaram que o bairro poderia se tornar inacessível para pessoas de renda média e baixa. Casas ecológicas têm custos mais altos e há o risco de a sustentabilidade se tornar um privilégio.
Em Bryant, embora o acesso fosse gratuito para as famílias, o projeto dependia de subsídios públicos e doações privadas.
Sem financiamento contínuo, o processo pode estagnar. Além disso, quebrar barreiras digitais e culturais não foi fácil: foi necessário traduzir termos técnicos, adaptar estratégias e construir confiança do zero.
Sønderborg também tem os seus limites. Embora a infraestrutura esteja pronta, o sucesso do projeto depende da Dinamarca avançar em direção a uma matriz energética 100% renovável.
Também exige que os bancos continuem oferecendo empréstimos acessíveis para que as famílias possam investir em tecnologia limpa.
E há o desafio da escala. Como esses modelos podem ser replicados em megacidades como Cidade do México, Lima ou São Paulo?
Não se trata de copiar fórmulas, mas sim de adaptar princípios: participação comunitária, acessibilidade, planejamento inteligente.
Como afirma a estudiosa Jane Jacobs em The Death and Life of Great Cities (1961), “as cidades bem-sucedidas são aquelas que respeitam a complexidade da vida quotidiana”.
Três caminhos para um futuro possível
1. BedZED, Londres (2000-2002): Um dos primeiros bairros projetados para ser autossuficientes. Suas casas produziam sua própria energia, reciclavam água e reutilizavam calor. Embora tenha enfrentado dificuldades, ele demonstrou que outro tipo de planejamento urbano era possível.
2. Nordhavn, Copenhague (2024): Um novo desenvolvimento urbano onde tudo fica a menos de cinco minutos de caminhada. Espaços públicos, serviços e mobilidade limpa se combinam para reduzir a pegada de carbono sem sacrificar o conforto.
3. Sønderborg, Dinamarca (desde 2007): Uma cidade inteira que decidiu se reinventar. Com políticas claras, participação cidadã e parcerias público-privadas, ele alcançou uma transformação energética em larga escala.
Esses exemplos mostram que existem vários caminhos para um futuro mais limpo.
Alguns começam do zero, outros regeneram o que já existe. Mas todos eles têm uma coisa em comum: nascem do compromisso coletivo, da vontade política e do desejo de viver melhor sem destruir o meio ambiente.
Para concluir,
Bairros neutros em carbono são um exemplo concreto de que é possível combater as mudanças climáticas por meio de ações cotidianas. Não é só tecnologia, nem grandes investimentos.
É comunidade, planejamento e visão. Bahnstadt, Bryant e outros como eles ensinam que o lar pode ser o ponto de partida para um novo pacto com o planeta. E em tempos em que tudo parece urgente, retornar ao bairro pode ser o primeiro passo para um futuro mais justo e sustentável.

Referências:
• Alter, C. (2024). A ascensão de bairros neutros em carbono. TEMPO. Disponível em: https://time.com/7200318/the-rise-of-carbon-neutral-neighborhoods
• Latour, B. (2017). Onde pousar. Editora Taurus.
• Stern, N. (2006). A economia das mudanças climáticas: a revisão Stern. Imprensa da Universidade de Cambridge.
• Jacobs, J. (1961). A morte e a vida das grandes cidades americanas. Casa aleatória.
• Moreno, C. (2020). A cidade do quarto de hora. Planejamento urbano.