A miragem do greenwashing

Nas prateleiras dos supermercados, na publicidade de grandes marcas e nas redes sociais, o “verde” é vendido como uma virtude. Embalagens cor de folha, rótulos com palavras como “eco”, “natural” ou “biodegradável”, campanhas emocionais em defesa do planeta.

Mas por trás dessa imagem ecologicamente correta, muitas vezes não há nada além de fumaça. O greenwashing tornou-se uma tática comum no marketing corporativo para capturar um mercado cada vez mais consciente, embora com ferramentas enganosas.

“Enganar o consumidor também é poluir”

Por: Gabriel E. Levy B.

Em 1986, o ambientalista Jay Westerveld cunhou o termo greenwashing depois de observar como uma rede de hotéis pedia a seus clientes que reutilizassem toalhas “para salvar o meio ambiente”, enquanto continuava a se expandir sem nenhuma política sustentável real.

A contradição entre mensagem e ação lançou as bases para o que hoje é uma prática global: fingir ser ecologicamente responsável sem realmente assumi-la.

Com o aumento do ambientalismo e a pressão pública por práticas sustentáveis, muitas empresas adotaram discursos ambientais mais por conveniência comercial do que por convicção.

Isso é apontado pela acadêmica Michelle Thorne (2022), que alerta que o greenwashing não apenas altera a percepção dos consumidores, mas também interfere diretamente na construção de modelos econômicos sustentáveis.

Thorne argumenta que o discurso verde sem compromisso produz uma “poluição simbólica” que é tão prejudicial quanto a poluição material.

À medida que o desenvolvimento sustentável deixou de ser uma aspiração ética para se tornar uma exigência normativa e de mercado, o greenwashing passou do anedótico para o sistêmico.

Um estudo recente publicado na Sustainability (Gatti et al., 2021) revelou que mais de 40% das alegações de produtos ambientais na Europa são enganosas ou carecem de evidências verificáveis.

Esse fenômeno não apenas corrói a confiança do público, mas também compromete o progresso genuíno na economia circular, na transição energética e no consumo responsável.

“Verde vende”: a armadilha da sustentabilidade da maquiagem

Em um mercado cada vez mais impulsionado pela ética ambiental, o greenwashing atua como uma distorção perigosa.

De acordo com um relatório do Parlamento Europeu (2020), nove em cada dez consumidores dizem preferir produtos sustentáveis, mas 42% não confiam nas alegações ecológicas das marcas.

Essa lacuna é explicada pela proliferação de mensagens ambíguas e sem suporte, como “100% natural” ou “amigo do planeta”, que não têm base científica ou regulatória clara.

O problema não está apenas na mentira, mas no que ela esconde.

Muitas empresas exibem pequenas ações simbólicas, como a redução do uso de sacolas plásticas ou a instalação de painéis solares, enquanto as práticas poluidoras continuam em sua cadeia produtiva.

É um fenômeno de “maquiagem ecológica” que, nas palavras do filósofo Bruno Latour, não transforma a estrutura, mas a decora.

Isso tem consequências diretas nas políticas públicas. Quando os tomadores de decisão baseiam suas estratégias em dados manipulados por campanhas de greenwashing, os fundos e a atenção são desviados de verdadeiras soluções sustentáveis.

A economista Sylvia Lorek adverte que “o greenwashing sabota a transição ecológica ao passar como transformação o que é apenas um ajuste cosmético”.

A credibilidade de todo o ecossistema de sustentabilidade fica comprometida quando boas práticas reais competem com ficções bem divulgadas.

Em 2023, a Comissão Europeia propôs um regulamento específico para proibir alegações ambientais sem respaldo científico.

O objetivo é acabar com frases como “ecologicamente correto” ou “neutro em carbono” se não puder ser demonstrado com estudos independentes.

Essa medida responde a um fenômeno que não apenas engana, mas bloqueia o progresso em direção a um modelo produtivo compatível com os limites do planeta.

Economia circular em xeque

A economia circular baseia-se num princípio simples e radical: não extrair, utilizar e descartar, mas manter os materiais em uso durante o maior tempo possível, redesenhando processos para eliminar o desperdício e regenerar recursos.

Mas quando as empresas fingem adotar esses princípios sem realmente fazê-lo, elas estão sabotando o modelo por dentro.

Um caso frequente é o da “reciclagem simbólica”. Marcas que afirmam fabricar produtos com materiais reciclados sem especificar a porcentagem, sua origem ou a rastreabilidade do processo.

Ou que anunciam programas de coleta de resíduos plásticos para depois incinerá-los em vez de reintegrá-los à cadeia produtiva. Esses tipos de práticas, segundo o pesquisador Andreas Homburg (2021), criam uma ilusão de circularidade que reforça o status quo extrativista.

Além disso, o greenwashing tende a simplificar um processo complexo.

Vende-se a ideia de que comprar um produto com rótulo verde já é um ato sustentável, quando a economia circular exige profundas transformações no design industrial, logística reversa, sistemas de recompra e consumo colaborativo.

Reduzir a circularidade a um rótulo ou a uma campanha distorce seus desafios reais.

O impacto mais grave é a perda de confiança.

Quando os consumidores descobrem que foram enganados por marcas que pareciam ser verdes, eles se tornam céticos até mesmo em relação a iniciativas genuínas.

Isso afeta startups e empresas verdadeiramente comprometidas com a circularidade, que devem competir em um mercado saturado de “sustentabilidade de papelão”.

Essa é a visão da pesquisadora Christina Tosi, que estudou como o excesso de declarações ambientais não verificadas reduz a disposição de pagar por produtos circulares genuínos.

Em suma, o greenwashing desacredita a economia circular porque transforma um projeto sistêmico em uma estratégia de marketing superficial.

E quanto mais normaliza, mais distante fica o horizonte de uma produção compatível com os ciclos naturais.

Quando a aparência substitui a mudança: alguns casos

A empresa H&M, uma das maiores cadeias de fast fashion do mundo, lançou a sua linha “Conscious Collection” em 2019 prometendo vestuário “sustentável”. No entanto, uma pesquisa da Quartz revelou que muitas roupas dessa coleção continham materiais menos sustentáveis do que as da linha convencional.

Além disso, a marca utilizou um sistema de etiquetagem sem critérios verificáveis ou auditorias externas.

O resultado: consumidores enganados e uma falsa imagem de compromisso ambiental.

Algo semelhante aconteceu com a Ryanair, que em 2020 se autoproclamou “a companhia aérea mais verde da Europa” em seus anúncios.

A Autoridade de Padrões de Publicidade do Reino Unido forçou a empresa a remover essa alegação, pois era “enganosa e sem evidências”.

Na realidade, o modelo de baixo custo da companhia aérea não incluía planos sérios de redução de emissões ou investimentos em combustíveis sustentáveis.

No campo tecnológico, a Samsung foi acusada pelo Greenpeace em 2017 de promover campanhas de reciclagem enquanto descartava milhões de dispositivos defeituosos sem reutilizar seus componentes.

A contradição entre discurso e ação refletia uma estratégia típica de greenwashing: declarar princípios verdes sem mudar as práticas fundamentais.

Até o setor de alimentos caiu nessas práticas. Marcas como Danone e Nestlé foram destacadas por apresentarem suas garrafas de água como “amigas do planeta” usando uma pequena porcentagem de plástico reciclado, enquanto seus níveis de produção de plástico continuaram a crescer.

A retórica verde, nesses casos, esconde dinâmicas de produção lineares e altamente poluentes.

Esses casos não são excepcionais. Eles refletem uma tendência cada vez mais difundida em múltiplos setores: incorporar a linguagem ecológica sem assumir os compromissos estruturais que ela exige.

Em conclusão, o greenwashing não é apenas uma estratégia de marketing questionável, mas uma ameaça direta ao avanço de modelos reais de sustentabilidade, como a economia circular. Ao confundir os consumidores, corroer a confiança do público e desviar esforços para soluções fictícias, retarda a mudança sistêmica necessária para enfrentar a crise ambiental. Combatê-lo não implica apenas regular a publicidade, mas também transformar as estruturas produtivas para que o verde deixe de ser aparência e se torne substância.

Referências:

Gatti, L., Seele, P., & Rademacher, L. (2021). Alegações verdes na publicidade: enganando os consumidores? Sustentabilidade, 13(2), 1178.

Thorne, M. (2022). A poluição simbólica do greenwashing: discursos de sustentabilidade e seu uso indevido corporativo. Comunicação Ambiental, 16(3), 289–305.

Lorek, S. (2020). Suficiência: Um conceito de política para transições de sustentabilidade. Política e Governança Ambiental, 30(2), 95-106.

Homburg, A., & Schlegelmilch, B. B. (2021). O lado negro do verde: quando as alegações ambientais se tornam enganosas. Jornal de Ética Empresarial, 170(2), 191–210.

Tosi, C. (2019). Percepções do consumidor sobre greenwashing e seu impacto nas decisões de compra sustentáveis. Jornal de Comportamento do Consumidor, 18(5), 412–422.

Comissão Europeia. (2020). Nova Agenda do Consumidor. Bruxelas: União Europeia.

Quartzo. (2019). A Conscious Collection da H&M não é tão sustentável quanto parece. Obtido em https://qz.com

Greenpeace. (2017). Contradição de sustentabilidade da Samsung. Obtido em https://www.greenpeace.org

ASA Reino Unido. (2020). Decisão de publicidade enganosa da Ryanair. Obtido em https://www.asa.org.uk

Danwatch. (2021). Promessas de plástico. Obtido em https://danwatch.dk

Nestlé. (2020). Relatórios de sustentabilidade e críticas de greenwashing. Obtido em https://www.nestle.com/sustainability