Da poluição ao algoritmo: Como o ar poluído está moldando cidades mais inteligentes

O ar que inalamos não é mais uma incógnita. Hoje, plataformas digitais, sensores móveis e inteligência artificial estão mudando as regras do jogo: eles revelam, com precisão cirúrgica, de onde vem a poluição ao nosso redor. O que antes era invisível e difícil de verificar agora pode ser visualizado em mapas interativos e figuras alarmantes na palma da sua mão.

«A poluição do ar mata em silêncio»: alerta da OMS

Por: Gabriel E. LevyB.

Na década de 1990, a preocupação com a poluição do ar ainda se limitava a laudos técnicos e laboratórios especializados.

Os cidadãos permaneceram alheios às partículas invisíveis que circulavam entre os pulmões das grandes cidades.

Mas isso mudou. Desde 1999, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a necessidade de quantificar, com dados epidemiológicos sólidos, o impacto da qualidade do ar na saúde pública.

Foi assim que nasceu o AirQ, uma ferramenta que permitiu, pela primeira vez, estimar quantas mortes, doenças respiratórias e anos de vida perdidos poderiam ser atribuídos diretamente à poluição do ar.

A ideia era simples, mas revolucionária: transformar fumaça em números, partículas em diagnósticos, neblina em políticas públicas.

Com o passar dos anos, o AirQ evoluiu para o AirQ+, uma plataforma mais robusta, capaz de operar em contextos rurais ou urbanos, e adaptada para ser integrada em sistemas de monitorização ambiental.

Em 2025, a OMS promoveu uma série de cursos e atualizações para que seu uso seja padronizado em regiões vulneráveis como América Latina e Leste Europeu. O objetivo: que cada governo possa medir, agir e prevenir.

«Os dados são o novo oxigênio»: a era do monitoramento ambiental digital

Identificar a fonte da poluição ambiental não é mais uma questão exclusiva de especialistas. Agora, qualquer cidadão com um telefone celular pode observar em tempo real o quão tóxico é o ar ao seu redor.

Uma das plataformas mais disruptivas é o Climate TRACE, que combina imagens de satélite, inteligência artificial e participação dos cidadãos para rastrear as emissões em tempo real.

Em vez de confiar cegamente em relatórios oficiais, esta plataforma independente permite detectar fontes específicas de poluição por setor econômico: energia, transporte, agricultura.

Não importa se o remetente está no Cazaquistão ou no coração de Bogotá; sua assinatura poluente está registrada.

O sociólogo e pesquisador ambiental Christopher Sellers coloca isso claramente em seu trabalho Crabgrass Crucible:

«O que antes era considerado parte do progresso urbano e industrial, tornou-se objeto de escrutínio graças ao poder de visualização e pressão social.» Christopher Sellers

Hoje, essa visualização é fornecida, entre outros, pelo IQAir AirVisual, um aplicativo global que mapeia a qualidade do ar em milhares de cidades, alimentado por uma rede de sensores fixos e dispositivos pessoais.

É possível verificar em segundos o quão segura é uma caminhada matinal na Cidade do México ou se é aconselhável fechar as janelas em Bangkok.

Essas tecnologias democratizam o acesso à informação antes reservada a especialistas, e isso não é pouca coisa. A visibilidade da poluição, sua tradução em indicadores compreensíveis, desencadeia uma reação em cadeia: preocupação pública, pressão política e, esperançosamente, ação do governo.

 «Respirar não deve ser um risco»: o custo humano de não agir

A poluição do ar é responsável por mais de sete milhões de mortes prematuras a cada ano, de acordo com dados da OMS. Mas, além da figura, o verdadeiro drama está em sua invisibilidade. «Ao contrário da água contaminada ou dos alimentos estragados, o ar não tem um rótulo de advertência», escreve a epidemiologista Francesca Dominici, da Universidade de Harvard, em sua análise da saúde ambiental.

Nas grandes cidades, partículas microscópicas, mas letais, de PM2.5 atravessam as barreiras celulares e desencadeiam doenças cardiovasculares, derrame, asma e câncer de pulmão.

Em crianças e idosos, os efeitos são ainda mais graves. E o mais preocupante é que muitas vezes as comunidades mais afetadas são também as menos informadas e protegidas.

É aqui que ferramentas como AQICN.org e AirCasting desempenham um papel fundamental. Essas plataformas permitem que os próprios cidadãos se tornem coletores de dados: um sensor portátil e um smartphone são suficientes. Os dados coletados não apenas enriquecem a base científica, mas também capacitam as comunidades locais a exigir mudanças.

Em lugares como Nova Delhi, os usuários do AirCasting documentaram aumentos dramáticos na poluição durante o horário escolar, levando a restrições de veículos perto das escolas.

Esses exemplos demonstram que a tecnologia não mede apenas os danos; Também pode catalisar a resposta.

Mas ainda existem obstáculos.

Em países com conectividade ruim ou políticas ambientais frouxas, a adoção dessas plataformas é lenta.

Além disso, a sobrecarga de dados sem uma estratégia de ação clara pode paralisar em vez de mobilizar. Como o planejador urbano Mike Davis adverte em Ecologia do Medo, «A informação por si só não salva vidas. As políticas públicas fazem isso, motivadas pela pressão dos cidadãos e evidências concretas.»

«Mapeando o futuro a partir do presente»: territórios vigilantes

A incorporação de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) elevou o monitoramento ambiental a outra escala.

Não se trata mais apenas de medir o ar em um canto, mas de traçar padrões, analisar usos da terra, projetar cenários futuros. Um GIS pode integrar dados de sensores, imagens de satélite, relatórios de emissões, mapas de densidade populacional e modelos climáticos para antecipar áreas de risco.

Em Barcelona, por exemplo, um SIG ambiental é usado para cruzar dados sobre tráfego de veículos, temperatura, vento e níveis de ozônio, permitindo o projeto de corredores verdes e áreas de baixa emissão.

Em Santiago, Chile, o GIS foi integrado a sensores de cidadãos para detectar «ilhas de calor» e estabelecer microzonas de alerta de saúde.

Em Quito, uma parceria entre a academia e o município permite que estudantes e vizinhos mapeiem pontos críticos de poluição usando dados abertos e software livre.

Essa interseção entre tecnologia, participação e ciência aplicada quebra o antigo paradigma da gestão ambiental centralizada. O que antes exigia laboratórios caros agora pode ser construído a partir de uma sala de aula da escola, uma comunidade indígena ou uma organização de bairro.

Cidades inteligentes em constante aprendizado

A integração dessas ferramentas tecnológicas torna os territórios espaços mais inteligentes porque permite que eles aprendam consigo mesmos, antecipem riscos e tomem decisões informadas em tempo real.

Ao incorporar sensores, plataformas de monitoramento, sistemas de informações geográficas e participação cidadã, os territórios desenvolvem uma espécie de «inteligência ambiental» que os torna mais resilientes e adaptáveis.

Eles não dependem mais exclusivamente de diagnósticos centralizados ou intervenções atrasadas: eles podem identificar padrões de poluição, localizar suas fontes exatas, avaliar seus impactos na saúde e ativar respostas coordenadas do nível local.

Esse conhecimento acumulado e processado transforma a relação entre o espaço, seus habitantes e suas políticas públicas, permitindo que cidades e regiões não apenas reajam aos problemas, mas evoluam com base em dados precisos, participação coletiva e vigilância sustentada.

Em conclusão

O ar deixou de ser um espaço sem dono. Hoje, graças a ferramentas como AirQ+, Climate TRACE, IQAir, AQICN, AirCasting e GIS, é possível monitorar, entender e reivindicar por ele. Respirar não deve ser um ato perigoso. E embora a tecnologia por si só não resolva a crise ambiental, sua capacidade de evidenciar os danos é uma alavanca poderosa. O futuro do ar limpo também será um futuro de dados abertos, participação coletiva e vigilância constante.

Referências:

  • QUEM. (2025). AirQ+: Ferramenta para estimar os impactos da poluição do ar. https://www.who.int/es/tools/airq
  • Dominici, F. (2019). Poluição do ar e mortalidade na população do Medicare. Jornal de Medicina da Nova Inglaterra.
  • Vendedores, C. (2012). Cadinho de capim-colchão: natureza suburbana e a ascensão do ambientalismo na América do século XX. Imprensa UNC.
  • Davis, M. (1999). Ecologia do Medo: Los Angeles e a Imaginação do Desastre. Livros Metropolitanos.
  • Expansão ESG. (2025). Clima TRACE: Mapa de Poluentes.
  • IQAir. (2025). Índice Mundial de Qualidade do Ar. https://www.iqair.com/world-air-quality
  • Mapeamento GIS. (2025). 50 aplicações de GIS para mudanças climáticas. https://mappinggis.com